ENDIVIDAMENTO PREDATÓRIO - A ILUSÃO DO CRÉDITO FÁCIL

Uma Armadilha Silenciosa para os Moçambicanos

A ilusão do crédito fácil

Nos últimos anos, tem se tornado cada vez mais comum o recurso a créditos rápidos e aparentemente acessíveis em Moçambique. As campanhas publicitárias, muitas vezes agressivas, prometem soluções imediatas para problemas financeiros e apresentam condições aparentemente “generosas”. Porém, por detrás dessa fachada de facilidade, esconde-se uma realidade preocupante: a concessão irresponsável de empréstimos que empurra milhares de cidadãos para um ciclo vicioso de dívidas.

A prática não é nova. Já em outros contextos africanos — como no Quénia, na Tanzânia e até mesmo em países lusófonos como Angola — denúncias semelhantes têm vindo à tona, revelando esquemas de crédito concedido sem avaliar devidamente a capacidade de pagamento dos mutuários. Isso faz com que, na prática, as instituições financeiras transformem-se em mecanismos de exploração disfarçados de oportunidade.

Microcréditos ou agiotagem disfarçada?

A situação torna-se ainda mais grave com a proliferação dos chamados microcréditos. Apresentados como uma ferramenta para fomentar pequenos negócios ou apoiar famílias em dificuldades, muitas dessas operações ignoram por completo princípios básicos de dignidade e sustentabilidade financeira.

O problema é que, ao contrário do que se esperaria, os riscos são calculados unicamente do lado da instituição credora, que se preocupa apenas com as garantias de cobrança — retenção salarial, penhora de bens, ou até métodos mais coercivos. Pouco importa se o cliente terá condições reais de sobreviver com o que lhe sobra depois das deduções mensais. O resultado é um ciclo que pode ser comparado à agiotagem: formalizado, mas igualmente predatório.

Exemplos semelhantes podem ser encontrados noutros países africanos, onde cidadãos perderam casas, terrenos e até pequenas empresas por não conseguirem acompanhar os pagamentos de microcréditos mal estruturados. Em Moçambique, não é diferente: famílias inteiras acabam sufocadas por dívidas que crescem como uma bola de neve.

Consequências para indivíduos e para o país

O impacto do endividamento predatório vai muito além da incapacidade momentânea de saldar uma dívida. Para os cidadãos, os efeitos imediatos incluem:

1. Perda de bens essenciais, usados como garantia nos contratos;

2. Comprometimento da estabilidade familiar, já que o rendimento mensal passa a ser canalizado quase todo para pagar dívidas;

3. Problemas de saúde mental, como ansiedade, depressão e até suicídio, resultado da pressão insustentável.

No entanto, o problema não se limita ao indivíduo. Quando um número significativo de clientes entra em incumprimento, a própria estabilidade do sistema financeiro fica em risco. Em cenários extremos, podem ocorrer falências em cadeia, instabilidade nos serviços de pagamentos eletrónicos e perda de confiança no sector bancário como um todo.

Além disso, a exclusão financeira torna-se mais evidente: cidadãos que já enfrentaram problemas de crédito acabam bloqueados de programas oficiais de financiamento e ficam fora de novas oportunidades de apoio económico.

Como reverter este cenário?

A experiência internacional mostra que a solução passa por três pilares fundamentais:

1. Educação financeira massiva – é urgente investir em campanhas que ajudem os cidadãos a compreender os riscos do crédito fácil e a tomar decisões informadas.

2. Regulação mais firme – cabe às entidades de supervisão monitorar de forma proactiva a concessão de crédito, punindo práticas abusivas e exigindo transparência absoluta.

3. Responsabilização social – a sociedade civil e as organizações de defesa do consumidor devem assumir um papel mais ativo, denunciando irregularidades e pressionando por reformas.

Em países como a África do Sul, por exemplo, já existem leis específicas contra o reckless lending (empréstimos irresponsáveis), que obrigam os credores a provar que avaliaram correctamente a capacidade de pagamento do cliente antes de conceder qualquer crédito. Uma medida semelhante seria fundamental para Moçambique.

O crédito pode ser uma ferramenta poderosa para o crescimento económico e melhoria de vida. No entanto, quando transformado em armadilha, torna-se um dos mais perigosos inimigos da estabilidade social. É hora de encarar com seriedade o fenómeno do endividamento predatório, que mina silenciosamente o futuro de milhares de famílias moçambicanas.

Mais do que nunca, o país precisa de um sistema financeiro ético, responsável e comprometido com o desenvolvimento sustentável, e não com a exploração do desespero do povo.


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