ENDIVIDAMENTO PREDATÓRIO - A ILUSÃO DO CRÉDITO FÁCIL
Uma Armadilha Silenciosa para os Moçambicanos
A ilusão do crédito fácil
Nos últimos anos, tem se tornado cada vez mais comum o recurso a créditos rápidos e aparentemente acessíveis em Moçambique. As campanhas publicitárias, muitas vezes agressivas, prometem soluções imediatas para problemas financeiros e apresentam condições aparentemente “generosas”. Porém, por detrás dessa fachada de facilidade, esconde-se uma realidade preocupante: a concessão irresponsável de empréstimos que empurra milhares de cidadãos para um ciclo vicioso de dívidas.
Microcréditos ou agiotagem disfarçada?
A situação torna-se ainda mais grave com a proliferação dos chamados microcréditos. Apresentados como uma ferramenta para fomentar pequenos negócios ou apoiar famílias em dificuldades, muitas dessas operações ignoram por completo princípios básicos de dignidade e sustentabilidade financeira.
O problema é que, ao contrário do que se esperaria, os riscos são calculados unicamente do lado da instituição credora, que se preocupa apenas com as garantias de cobrança — retenção salarial, penhora de bens, ou até métodos mais coercivos. Pouco importa se o cliente terá condições reais de sobreviver com o que lhe sobra depois das deduções mensais. O resultado é um ciclo que pode ser comparado à agiotagem: formalizado, mas igualmente predatório.
Consequências para indivíduos e para o país
O impacto do endividamento predatório vai muito além da incapacidade momentânea de saldar uma dívida. Para os cidadãos, os efeitos imediatos incluem:
1. Perda de bens essenciais, usados como garantia nos contratos;
2. Comprometimento da estabilidade familiar, já que o rendimento mensal passa a ser canalizado quase todo para pagar dívidas;
3. Problemas de saúde mental, como ansiedade, depressão e até suicídio, resultado da pressão insustentável.
No entanto, o problema não se limita ao indivíduo. Quando um número significativo de clientes entra em incumprimento, a própria estabilidade do sistema financeiro fica em risco. Em cenários extremos, podem ocorrer falências em cadeia, instabilidade nos serviços de pagamentos eletrónicos e perda de confiança no sector bancário como um todo.
Como reverter este cenário?
A experiência internacional mostra que a solução passa por três pilares fundamentais:
1. Educação financeira massiva – é urgente investir em campanhas que ajudem os cidadãos a compreender os riscos do crédito fácil e a tomar decisões informadas.
2. Regulação mais firme – cabe às entidades de supervisão monitorar de forma proactiva a concessão de crédito, punindo práticas abusivas e exigindo transparência absoluta.
3. Responsabilização social – a sociedade civil e as organizações de defesa do consumidor devem assumir um papel mais ativo, denunciando irregularidades e pressionando por reformas.
Em países como a África do Sul, por exemplo, já existem leis específicas contra o reckless lending (empréstimos irresponsáveis), que obrigam os credores a provar que avaliaram correctamente a capacidade de pagamento do cliente antes de conceder qualquer crédito. Uma medida semelhante seria fundamental para Moçambique.
O crédito pode ser uma ferramenta poderosa para o crescimento económico e melhoria de vida. No entanto, quando transformado em armadilha, torna-se um dos mais perigosos inimigos da estabilidade social. É hora de encarar com seriedade o fenómeno do endividamento predatório, que mina silenciosamente o futuro de milhares de famílias moçambicanas.
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